A FUNÇÃO EDUCATIVA E SOCIAL DO BRIDGE
por Elsa Cagner
(tradução Escola de Bridge)
Um dos objectivos da Federação Portuguesa de Bridge é o de aumentar o interesse na modalidade e o seu número de praticantes. Qualquer projecto coerente de desenvolvimento da modalidade tem de passar por um programa educativo para jovens que deverá conter as seguintes referências:
Ao analisar a função educativa do Bridge, devemos identificar os pontos essenciais do actual sistema de ensino, que tem acompanhado as mudanças radicais na sociedade e, consequentemente, nas Escolas. Os pontos principais são:
1. A centralização da instrução e educação, instrumento essencial para as políticas de desenvolvimento social, cultural e ocupacional. Um dos objectivos da nova Escola deve ser o de aumentar o nível cultural dos programas de formação e de treino. O irremissível valor educativo da cultura no desenvolvimento da personalidade é por todos reconhecido. O conhecimento não é mais uma ferramenta apenas ao alcance de alguns escolhidos. A necessidade de conhecimento é uma condição prioritária para todos. O cenário económico mudou radicalmente: o mercado de trabalho está em constante evolução, a mobilidade tornou-se parte do sistema, as pessoas necessitam constantemente de aprender coisas novas. Na esfera social o fenómeno da droga, delinquência e crime organizado são efeitos directos da pobreza cultural.
2. A transformação do conceito tradicional de conhecimento implica uma forte ligação entre as disciplinas de estudo a implementar e o desenvolvimento de potencialidades práticas essenciais para os alunos de amanhã. Na Escola equipada para o futuro, capaz de criar nos seus alunos uma mentalidade dinâmica e aberta e de os fazer acompanhar a evolução da sociedade, o conhecimento não pode ser definido nem balizado em disciplinas estáticas, mas antes no desenvolvimento de capacidades múltiplas, envolvendo a articulação entre diferentes disciplinas e métodos de ensino. O cidadão de amanhã terá de ser capaz de entender e de tomar decisões, de estar aberto a processos de integração ao nível social e profissional. Um novo ambiente pedagógico e melhores métodos de ensino têm de avaliar, simultaneamente, os aspectos cognitivo, social, emocional e relacional de qualquer tipo de aprendizagem. Em função desta mudança do conhecimento no âmbito do ensino, a utilização de estruturas educativas variadas é fundamental. O alargamento dos horizontes e as cada vez mais frequentes mudanças sociais e profissionais necessitam de um conhecimento orientado para a nova realidade.
3. Vivendo em sistemas complexos e na incerteza do mundo contemporâneo, o conhecimento desempenha um papel fundamental no desbravar dos horizontes individuais. Sendo cada vez mais difícil prever quais as disciplinas que vão ser sujeitas a maior desenvolvimento e em que direcção irá caminhar a pesquisa uma coisa é, no entanto, clara: a transmissão de conhecimento codificado é inaceitável. Num tempo em que as certezas diminuem, a Escola do futuro tem de saber como desenvolver a capacidade individual para tomar decisões. Cada competência tem de ser subordinada à necessidade de um pensamento global no complexo novo mundo. O problema de uma área de formação perde o seu carácter local e torna-se parte de um quadro complexo.
Experiências e estudos anteriores reconheciam ao Bridge uma importante função educativa na sociedade moderna, uma vez que tinha efeitos positivos, quer na esfera sócio - emocional quer na esfera cognitiva.
Até há bem pouco tempo, a Escola sub-avaliou todos os aspectos de empatia social, que ligavam a criança à Escola, oriundos da cultura anglo-saxónica. Na nossa Escola esses aspectos eram excluídos, uma vez que eram considerados como pertencendo a uma cultura secundária ou a fenómenos marginais; no entanto estes aspectos oferecem uma importante contribuição para a socialização da criança.
Pela sua própria natureza, um jogo envolve um forte elemento de socialização e agregação e contribui, de forma determinante, para criar um espírito colectivo. No Bridge, ao contrário do xadrez, por exemplo, o jogo envolve a construção de um relacionamento com o parceiro; os dois indivíduos do par aceitam-se mutuamente, ultrapassando naturais diferenças entre eles.
"O Bridge não é apenas um jogo de cartas que alimenta o espírito, mas é também um veículo para estar acompanhado e para romper com o isolamento: desde que ensino Bridge, sinto estar a ajudar as pessoas a conhecerem-se" (Di Stefano).
É um jogo que cria laços fortes: é jogado em equipa, em colaboração com outros. Torna-se vital conhecer o parceiro, construir a parceria, sacrificar parte da personalidade individual em favor da do parceiro, estabelecer relações com outras pessoas, assimilar hábitos, comportamentos, costumes e mentalidades diferentes, criando relações interactivas com outras pessoas. Requer esforço, entusiasmo, compreensão, concentração e vontade de vencer, num trabalho de equipa.
Algumas das leis do Bridge, estimulam a necessidade de diálogo e de comunicação, factores importantes no ensino e na construção de válidas e duradoiras relações. O estudo e assimilação das leis, cria as bases de interacção e cooperação entre participantes, representando o núcleo principal das primeiras fases do programa de ensino do Bridge.
Outro elemento positivo na questão da socialização é o facto de não existirem limitações à participação, factor discriminatório presente em quase todos os restantes desportos. O Bridge promove o emparceiramento de pessoas de idades, sexo, raças, níveis culturais e personalidades diferentes.
Uma actividade não curricular, como é o caso do Bridge, contribui para o fortalecimento dos laços entre o aluno e o ambiente escolar. O progressivo envolvimento dos alunos é um factor fundamental para a melhoria de relacionamento com o meio.
Nesta melhoria de identificação do aluno com a Escola, a relação professor - aluno é também melhorada. Ensinar Bridge a jovens alunos, ou aprender com eles, permite o desenvolvimento de um cada vez melhor relacionamento, com maiores probabilidades de alcançar os objectivos formativos propostos pela Escola.
Mostra a experiência que melhorar o relacionamento aluno - professor e criar laços com a Escola fora das obrigações curriculares pode ser uma forma de combater o mais perigoso dos problemas do ensino - a falta de determinação, que origina um total desinteresse na aprendizagem e uma quebra de comunicação e reciprocidade de interesses entre o aluno e a Escola.
Muitas crianças reflectem a falta de determinação a partir dos seus insucessos, convencendo-se que não têm hipótese de vencer. Nestes casos, as experiências positivas noutra direcção podem mudar o seu comportamento.
Através do Bridge, mesmo desde o início da sua aprendizagem, qualquer um pode notar o aumento de interesse do aluno em saber mais sobre algo que requer raciocínio lógico, capacidade de análise, memória, determinação e autocontrolo e fornece resultados imediatos, de acordo com a qualidade do jogo.
O aspecto lúdico e competitivo do Bridge estimula a participação entusiástica e contribui para a criação do elemento fulcral em qualquer actividade: a motivação para aprender
O jogo permite, regra geral:
O Bridge contribui para:
1. Criar e reforçar a capacidade de decidir, que é a base para a autonomia activa e consciente. A simulação é particularmente eficaz na resolução de problemas que implicam processos de tomadas de decisão. O desenvolvimento da capacidade individual de decidir representa um dos principais objectivos da Escola. O Bridge é muito eficaz no desenvolvimento destas capacidades. Com efeito, habitua o praticante a optar, a ser flexível no processo de escolha, a aceitar modificá-las em caso de erro, a adquirir novos conhecimentos e valores.
Daqui resulta o aumento da capacidade em procurar soluções alternativas para os problemas. Conferir a alguém a possibilidade de experimentar situações reais constitui a oportunidade para identificar capacidades necessárias para gerir novas situações, para testar novos conhecimentos antes e durante a simulação e testar tácticas e estratégias na resolução de problemas. Tudo isto acontece num ambiente lúdico, que permite um maior relaxamento do aluno na abordagem dos problemas, sem medo de ser penalizado por possíveis erros.
2. Desenvolver a capacidade de comparar - jogar com um parceiro, gerir relacionamentos, comparar resultados, permite:
Após o jogo, cada jogador tem disponível mais dados sobre o seu comportamento e novos conhecimentos. O objectivo não é tanto identificar vencedores e derrotados mas comparar resultados e estratégias e promover a auto-avaliação no processo de aprendizagem. O facto de jogar com um parceiro permite ao aluno adquirir a capacidade de desenvolver estratégias interpessoais e atitudes sociais compatíveis. Os jovens podem encarar situações sociais novas da forma mais apropriada e acostumarem-se a interagir com os outros.
3. Oferecer a oportunidade de conviver com o erro. Aceitar e conviver com o erro não é fácil para os jovens, pelo que a experiência com o Bridge lhes é particularmente útil. Uma vez que o Bridge é um jogo de probabilidade e erro em que pensar alcançar a perfeição é pura utopia. Por esta razão o Bridge é tão fascinante, quer para os jogadores mais evoluídos, quer para os que o jogam ocasionalmente. Saber usar a experiência e os erros cometidos é, sem dúvida, contribuir para evitar traumas com os falhanços com que os jovens vão ter de lidar na vida real
4. Oferecer a oportunidade de conviver com as derrotas. Os jovens não estão preparados para aceitar as derrotas. Ao primeiro revés não sabem, regra geral, como reagir. Esta é a altura em que necessitam de mais força. A desmotivação é uma tentação. Deixar-se arrastar, adormecer, desistir. Mas viver é saber lidar com o insucesso, como em qualquer competição. Mesmo os melhores perdem algumas vezes. Não se deve cair em depressão. Quem perde tem de usar a derrota para aprender a reagir, por forma a mudar, a criar, a encontrar novos métodos e novas estratégias. Na sua dimensão lúdica, a derrota em Bridge é comum a todos os jogadores, pelo que saber partilhar e discutir o insucesso é uma forma de aprender mais facilmente a geri-lo.
5. Encorajar a aceitação de regras. Se nos conseguirmos distanciar, por momentos, do conceito de desporto como uma actividade exclusivamente física, de acção e movimento, podemos encontrar no Bridge todos os componentes do desporto - disciplina, rigor, ética, habilidade, desempenho, competição, espírito competitivo, ultrapassagem de dificuldades, aplicação, estudo, treino, fadiga, sacrifício e stress. Através do Bridge pode-se aferir da importância do respeito pela lei, uma vez que a prática do jogo permite a cada um experimentar e simular situações desde que a condição essencial seja o respeito pelas respectivas regras. As leis constituem a estrutura do jogo, representam um nível de análise ao sistema de referência e propõem mecanismos reais de interacção entre pessoas e situações. Se considerarmos que o fenómeno da intimidação é um dos mais preocupantes no crescimento, podemos entender a utilidade em enfatizar a ideia que a lei é a base da sociedade civil.
6. Estimular a organização racional do estudo. O método aplicado no planeamento de acções no jogo e no leilão, na escolha do timing certo e na identificação das prioridades, permite adquirir o estado mental certo para se perceber a importância da organização em qualquer actividade. Através do conceito de transferência e com a ajuda do professor, o aluno irá transferir o que aprendeu com o jogo para os seus estudos e trabalhos. O Bridge ajuda-os a adquirir um comportamento estratégico: isto significa, não tanto a capacidade de entender as regras mas, principalmente, a capacidade de definir um comportamento coerente, uma estratégia baseada na compreensão da estrutura implícita do jogo. Desta forma são activadas as aptidões lógicas tais como a capacidade de considerar múltiplas variáveis e tomar decisões com base em predições, ou de compreender a dimensão simbólica que faz do jogo uma simulação e entender o modelo como sendo interpretativo de processos reais.
7. Preparar para o mundo do trabalho. Vários estudos internacionais enfatizam que das dificuldades de integração dos jovens no mercado de trabalho, as relacionadas com a capacidade teórica no desempenho (conhecimentos, utilização de ferramentas de trabalho...) são bem menos significativas que as derivadas da incapacidade de encaixe no novo ambiente. De facto, a forma como se lida com a experiência profissional é considerada uma qualidade decisiva para o sucesso na carreira e o seu desenvolvimento sócio-psicológico. A contínua análise de recursos durante um jogo de Bridge e a correcta definição de objectivos, é um modelo que reproduz, em pequena escala, mas de forma exacta, algumas actividades profissionais e os problemas com elas relacionados.
Alberto Oliviero, professor de psico-biologia numa Universidade de Roma, afirma que a grande derivação actual reside entre a estrutura mental dos jovens alunos e o tipo de ensino adoptado pela Escola, caracterizado pela simplificação e total ausência de actividades concretas. A nossa Escola, ao contrário das Escolas do Norte da Europa, é caracterizada pela total ausência de processos concretos, de procedimentos, de pequenas actividades e de capacidade de observação. Não podemos esquecer que a simplificação grosseira e falta de motivação induz à alienação escolar.
Falta de objectividade e inexistência de emoções e empatias podem ser eliminadas com pequenas acções. É apenas uma questão de mentalidade e de redireccionar atenções para uma maior objectividade. As técnicas de simulação são válidas desde que, em conjunto com a redução ou neutralização de tensões e frustrações que caracterizam a fase de aprendizagem, possam fornecer os meios para experimentar actividades concretas.
Através do Bridge, os alunos têm a oportunidade de utilizar activamente as noções aprendidas, de desenvolver capacidades como a dedução por inferência, que representa uma forma de pensamento comum a todos os campos da vida e permite transferir para outros os conhecimentos adquiridos num determinado enquadramento.
Desta maneira, existe uma osmose entre o conhecimento específico e interdisciplinar, sem se negar a peculiaridade e especificidade do primeiro.
O processo de aprendizagem deve permitir ao estudante colocar a si próprio problemas e analisar hipóteses, de acordo com as formas de pensamento características do assunto em estudo.
Aprender toma assim a forma de capacidade de gerir métodos, teorias, conceitos e técnicas através da utilização de modelos; o Bridge, graças também ao adquirir de uma atitude questionadora, favorece a aprendizagem, exactamente pela sua objectividade e pela possibilidade de exercitar uma série de características úteis para o estudo.
Por aumentar o grau de liberdade, o Bridge permite adquirir conhecimento e melhorar qualitativa e quantitativamente capacidades paralelas, normalmente difíceis de alcançar com práticas didácticas tradicionais.
Vamos então examinar, de forma mais precisa, como pode o Bridge melhorar a estrutura cognitiva dos alunos e as capacidades necessárias para melhor resolver os assuntos curriculares. Antes de mais devemos dizer que, todos os componentes do jogo, quer teóricos quer práticos, possuem uma matriz lógica, matemática e estatística e que tais características requerem raciocínio continuado, aumentam a capacidade de análise, forçam constantemente os jogadores a lidar com problemas de estratégia e aumentam a utilização de mnemónicas.
O Bridge, por outro lado, especialmente na fase de carteio ou de análise ao carteio, requer e melhora a coordenação mental do praticante, atenção, concentração, memória e conhecimento técnico, todas elas características desenvolvidas na primeira fase de aprendizagem. Daqui resulta, para a formação, uma maior capacidade analítica e crítica nas fases que se seguem.
Em resumo, podemos citar como capacidades promovidas e desenvolvidas através do bridge, no âmbito cognitivo:
1- Capacidade de comunicar
2- Capacidades lógicas
3- Pré-requisitos para a aprendizagem: atenção, memória
4- Capacidades transversais específicas
Estudos recentes demonstram como a falta destes requisitos são responsáveis pela maioria das dificuldades curriculares dos alunos.